O mundo mudou
Percebemos que o mundo mudou quando a visita de um primeiro-ministro chinês não causa qualquer reboliço. Nem a favor, nem contra. Nada de nada. O líder do Governo de Pequim está em Portugal e a cidadania não se manifesta e a direita não se manifesta e os velhos maoístas não se manifestam e nem a propaganda chinesa se manifesta.
Hoje, na Assembleia da República, apenas os muitos polícias, o nervosismo das gentes do protocolo e a passadeira vermelha na escadaria davam conta do acontecimento. Até a guarda de honra da GNR estava discretamente colocada por trás das colunas de entrada do edifício.
Ao fundo das escadarias, sem vivalma além dos fardados da PSP, apenas três chineses do outro lado da rua, ao lado de uma pirâmide de reivindicações e mensagens da CGTP, herança de uma manifestação anterior, serviam de multidão entusiasmada para receber o representante do Império do Meio.
Três chineses com três bandeiras mal distribuídas – um com duas, outro sem nenhuma – mostravam tanto entusiasmo como um heterossexual perdido na casa de banho do Finalmente. Nem sequer quando passou a comitiva de Mercedes negros se dignaram a uma pequena agitação de bandeiras; onde estavam, murchas, caídas, disfarçadas, presas entre os sovacos, assim ficaram.
Mas, mesmos esses chineses sorumbáticos, que ninguém juraria, a não ser pelas bandeiras, estarem ali para ver passar a caravana, eram mais do que os membros das organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos, mais do que os representantes de partidos políticos que defendem a liberdade de expressão, a liberdade de associação, mais do que os cidadãos preocupados pela opacidade das autoridades chinesas no que diz respeito aos números verdadeiros de transmissão de gripes das aves aos humanos na China.
Ninguém. Nem uma agulha bulia, na quieta melancolia dos chineses do caminho. Nem sequer uns estudantes portugueses, lembrando outros estudantes mortos na praça Tianamen.
Ninguém se mostrou interessado em protestar contra a presença do chefe do Governo de um país com uma folha de serviços pouco limpa em termos de direitos humanos; com um desenvolvimento económico baseado na exploração dos trabalhadores que lhes permite vender por tuta e meia no mundo inteiro porque não pagam nem meia tuta para fazer; com um registo de atentados ambientais capaz de fazer corar de vergonha um suinicultor empedernido.
A China de hoje não desperta paixões. Nem sequer numa delegação do PCTP-MRPP, os maoístas de outrora, que poderiam ter aproveitado as câmaras de televisão para o tempo de antena que tanto reclamam para o seu candidato à Presidência da República (e candidato a tudo) e ninguém lhes dá. Poderiam ter reclamado as lutas conjuntas para, pelo menos, uma oportunidade fotográfica: o aperto de mão entre Wen Jiabao e Garcia Pereira. Ficaria bonito nos cartazes de campanha, embora haja dúvidas que pudesse conseguir alguns votos.
O mundo está a mudar, porque nem Portugal, nem a China querem saber de questões ideológicas ou de questões políticas, neste primado da economia. Já nem sequer o primado dos interesses, pois tudo se reduz a um único, singular e incontornável: o da economia. E, nesse aspecto, a China parte em vantagem, com os seus 1500 milhões de chineses dispostos (não se trata de uma escolha pessoal, porque isso não mudou, os chineses não decidem pessoalmente, alguém decide por eles, pelo colectivo) a vender e a comprar.
Hoje, na Assembleia da República, apenas os muitos polícias, o nervosismo das gentes do protocolo e a passadeira vermelha na escadaria davam conta do acontecimento. Até a guarda de honra da GNR estava discretamente colocada por trás das colunas de entrada do edifício.
Ao fundo das escadarias, sem vivalma além dos fardados da PSP, apenas três chineses do outro lado da rua, ao lado de uma pirâmide de reivindicações e mensagens da CGTP, herança de uma manifestação anterior, serviam de multidão entusiasmada para receber o representante do Império do Meio.
Três chineses com três bandeiras mal distribuídas – um com duas, outro sem nenhuma – mostravam tanto entusiasmo como um heterossexual perdido na casa de banho do Finalmente. Nem sequer quando passou a comitiva de Mercedes negros se dignaram a uma pequena agitação de bandeiras; onde estavam, murchas, caídas, disfarçadas, presas entre os sovacos, assim ficaram.
Mas, mesmos esses chineses sorumbáticos, que ninguém juraria, a não ser pelas bandeiras, estarem ali para ver passar a caravana, eram mais do que os membros das organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos, mais do que os representantes de partidos políticos que defendem a liberdade de expressão, a liberdade de associação, mais do que os cidadãos preocupados pela opacidade das autoridades chinesas no que diz respeito aos números verdadeiros de transmissão de gripes das aves aos humanos na China.
Ninguém. Nem uma agulha bulia, na quieta melancolia dos chineses do caminho. Nem sequer uns estudantes portugueses, lembrando outros estudantes mortos na praça Tianamen.
Ninguém se mostrou interessado em protestar contra a presença do chefe do Governo de um país com uma folha de serviços pouco limpa em termos de direitos humanos; com um desenvolvimento económico baseado na exploração dos trabalhadores que lhes permite vender por tuta e meia no mundo inteiro porque não pagam nem meia tuta para fazer; com um registo de atentados ambientais capaz de fazer corar de vergonha um suinicultor empedernido.
A China de hoje não desperta paixões. Nem sequer numa delegação do PCTP-MRPP, os maoístas de outrora, que poderiam ter aproveitado as câmaras de televisão para o tempo de antena que tanto reclamam para o seu candidato à Presidência da República (e candidato a tudo) e ninguém lhes dá. Poderiam ter reclamado as lutas conjuntas para, pelo menos, uma oportunidade fotográfica: o aperto de mão entre Wen Jiabao e Garcia Pereira. Ficaria bonito nos cartazes de campanha, embora haja dúvidas que pudesse conseguir alguns votos.
O mundo está a mudar, porque nem Portugal, nem a China querem saber de questões ideológicas ou de questões políticas, neste primado da economia. Já nem sequer o primado dos interesses, pois tudo se reduz a um único, singular e incontornável: o da economia. E, nesse aspecto, a China parte em vantagem, com os seus 1500 milhões de chineses dispostos (não se trata de uma escolha pessoal, porque isso não mudou, os chineses não decidem pessoalmente, alguém decide por eles, pelo colectivo) a vender e a comprar.
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