04 maio 2006

A censura francesa

A Comédie-Française decidiu retirar do seu programa uma peça do escritor austríaco Peter Handke depois de este ter lido um discurso no funeral do antigo líder sérvio Slobodan Milosevic. Num acto deplorável de censura, que se tivesse acontecido nos Estados Unidos já teria feito troar múltiplas vozes de intelectuais europeus, os responsáveis da Comédie-Française demonstraram como a liberdade de expressão não é um direito universal, nem mesmo na Europa sempre pronta a dar lições. Muitas vezes esbarra na intolerância politicamente correcta de um certo intelectualismo de esquerda, rápido a defender a multiplicidade de opiniões in abstractu, capaz de as cercear em concreto, quando estas surgem de ambientes menos canónicos. Além disso, há uma inteligentsia europeia cada vez mais dependente dos múltiplos cargos culturais públicos (nacionais, regionais, locais), para os quais é nomeada por políticos que não têm ideias próprias, mas fazem suas as ideias da maioria e não querem ondas que lhes ponham em causa a próxima eleição.
A Comédie-Française acha que pode retirar Handke do seu programa, porque Handke é um apoiante de Slobodan Milosevic - conhecido genocida, condenado por crimes contra o seu povo antes mesmo de qualquer sentença do Tribunal Penal Internacional. Mas é na atitude perante aqueles que são mais fáceis de censurar (revisionistas, fundamentalistas, Testemunhas de Jeová...) que se deverá fazer o esforço maior para defender a liberdade de expressão. Defender o defensável é fácil, defender o que nos dá voltas às tripas intelectuais é que custa.

P.S. Quando é que a França irá parar para reflectir sobre as razões pelas quais perdeu a sua influência cultural e política no mundo? É que os franceses continuam a comportar-se como se os salões de Paris continuassem a ser a referência de civilidade do planeta.