30 anos depois do golpe argentino
A Argentina assinala na sexta-feira, pela primeira vez com um feriado nacional, o 30º aniversário do golpe que permitiu aos militares instalar uma das ditaduras mais sangrentas da história da América Latina.
Três décadas depois, com o rasto dos 30 mil desaparecidos mais visível, alguns dos intervenientes daqueles sete “anos de chumbo” detidos, um Governo mais próximo das organizações de defesa dos direitos humanos, a Argentina está, no entanto, longe de ter erradicado do seu interior parte das causas que permitiram aos militares aterrorizar o país de 1976 a 1983.
Com várias iniciativas para assinalar a data a serem inauguradas esta semana, um escândalo rebentou com a descoberta que a marinha andava a realizar espionagem política em Trelew, uma das principais cidades da Patagónia.
O número três da armada, o comandante de Operações Navais Eduardo Avilés, foi afastado do cargo depois do caso de espionagem ter sido denunciado na passada sexta-feira, pelo Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), importante organização que tem contribuído para aclarar muitos dos episódios mais obscuros da ditadura.
O director dos serviços de informação da marinha, Pablo Rossi, foi demitido pelo mesmo motivo.
Outro tema que tem ocupado os “media” argentinos é a polémica em torno da iniciativa do Governo em assinalar o 24 de Março como feriado nacional, o Dia Nacional da Memória pela Verdade e pela Justiça.
A iniciativa passou no Congresso e transformou-se em lei na semana passada, sem conseguir unir os congressistas e praticamente apenas com os votos da bancada do Partido Justicialista (peronistas) que apoia o Presidente Kirchner.
A norma passou com 123 votos a favor, 36 contra e 84 ausentes.
O líder da bancada de Kirchner no Congresso, Agustín Rossi, expressou de forma sintética o estado de espírito dos deputados que apoiam o Presidente: “Esperávamos mais consenso”.
Ao Chefe de Estado, que tem gozado de um nível de aprovação entre as principais organizações de defesa dos direitos humanos inédito nestes 30 anos de democracia, a iniciativa acabou por ter menos resultados do que desejaria.
Visto de outra forma, acabou por ter resultados contrários aos esperados, porque não só algumas organizações dos direitos humanos discordaram com a transformação da data de um golpe de Estado e do princípio de uma ditadura num feriado nacional, como criticaram a forma unilateral como os “kirchneristas” impuseram a sua decisão.
No entanto, o episódio não manchará a folha do Presidente em matéria de direitos humanos, tendo em conta que, por exemplo, as Mães da Praça de Maio emitiram um comunicado congratulando-se pela iniciativa presidencial.
Kirchner não só recebeu as organizações de direitos humanos na sede do Governo, a Casa Rosada em Buenos Aires, onde estas nunca tinham entrado desde que a democracia foi reposta em 1983, como também ajudou a revogar as leis de ponto final e de obediência devida, permitindo que altos mandos da ditadura militar pudessem ser julgados pelos seus crimes. Alguns estão presos, como o célebre capitão Alfredo Astiz, detido numa base naval, condenado em França à revelia, em 1990, a prisão perpétua pela sua participação no sequestro e desaparecimento de duas freiras francesas. No entanto, nem mesmo os que permanecem livres se lhes permite ter a vida calma e anónima que aspiram, que o diga o antigo general Jorge Rafael Videla.
Várias organizações de direitos humanos, movimentos de esquerda e activistas populares realizaram no sábado uma acção de repúdio contra aquele que foi o primeiro Presidente da ditadura militar.
A iniciativa, denominada popularmente como “escrache” – argentinismo da palavra inglesa “scratch” (arranhar) –, foi realizada frente ao domicílio de Videla e incluiu lançamento de ovos, de garrafas com tinta e lixo contra as paredes do edifício, tudo para marcar simbolicamente o princípio de uma semana de recordações.
Um Ford Falcon desmontado peça por peça exposto no Centro Cultural Recoleta de Buenos Aires é uma das obras simbólicas que assinala o 30º aniversário, numa mega-mostra colectiva inaugurada esta semana.
Um dos símbolos do terror dos sete anos da ditadura militar, o Ford Falcon era o carro habitualmente usado pela polícia e pelos militares quando realizavam as suas rusgas para prender “subversivos” que assim desapareciam sem deixar rasto.
Outro desses símbolos é a tristemente célebre ESMA-Escola de Mecânica da Armada, principal centro de detenção e tortura da ditadura, que o Presidente Kirchner mandou transformar em 2004 no Museu da Memória. Durante apenas sete anos, os militares que dominaram o país a ferro e fogo, em nome do anticomunismo e de um país temente a Deus, mergulharam o país no obscurantismo.
Ao matar ou fazer desaparecer 30.000 pessoas, obrigando muitos mais ao exílio, ao introduzir políticas económicas desastradas que ajudaram a afundar a economia de um país rico em matérias-primas, ao lançar o país numa guerra (Falklands/Malvinas) como tentativa desesperada de sobrevivência, os militares que governaram a Argentina deixaram marcas profundas numa sociedade que ainda hoje não recuperou totalmente do trauma.
Três décadas depois, com o rasto dos 30 mil desaparecidos mais visível, alguns dos intervenientes daqueles sete “anos de chumbo” detidos, um Governo mais próximo das organizações de defesa dos direitos humanos, a Argentina está, no entanto, longe de ter erradicado do seu interior parte das causas que permitiram aos militares aterrorizar o país de 1976 a 1983.
Com várias iniciativas para assinalar a data a serem inauguradas esta semana, um escândalo rebentou com a descoberta que a marinha andava a realizar espionagem política em Trelew, uma das principais cidades da Patagónia.
O número três da armada, o comandante de Operações Navais Eduardo Avilés, foi afastado do cargo depois do caso de espionagem ter sido denunciado na passada sexta-feira, pelo Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), importante organização que tem contribuído para aclarar muitos dos episódios mais obscuros da ditadura.
O director dos serviços de informação da marinha, Pablo Rossi, foi demitido pelo mesmo motivo.
Outro tema que tem ocupado os “media” argentinos é a polémica em torno da iniciativa do Governo em assinalar o 24 de Março como feriado nacional, o Dia Nacional da Memória pela Verdade e pela Justiça.
A iniciativa passou no Congresso e transformou-se em lei na semana passada, sem conseguir unir os congressistas e praticamente apenas com os votos da bancada do Partido Justicialista (peronistas) que apoia o Presidente Kirchner.
A norma passou com 123 votos a favor, 36 contra e 84 ausentes.
O líder da bancada de Kirchner no Congresso, Agustín Rossi, expressou de forma sintética o estado de espírito dos deputados que apoiam o Presidente: “Esperávamos mais consenso”.
Ao Chefe de Estado, que tem gozado de um nível de aprovação entre as principais organizações de defesa dos direitos humanos inédito nestes 30 anos de democracia, a iniciativa acabou por ter menos resultados do que desejaria.
Visto de outra forma, acabou por ter resultados contrários aos esperados, porque não só algumas organizações dos direitos humanos discordaram com a transformação da data de um golpe de Estado e do princípio de uma ditadura num feriado nacional, como criticaram a forma unilateral como os “kirchneristas” impuseram a sua decisão.
No entanto, o episódio não manchará a folha do Presidente em matéria de direitos humanos, tendo em conta que, por exemplo, as Mães da Praça de Maio emitiram um comunicado congratulando-se pela iniciativa presidencial.
Kirchner não só recebeu as organizações de direitos humanos na sede do Governo, a Casa Rosada em Buenos Aires, onde estas nunca tinham entrado desde que a democracia foi reposta em 1983, como também ajudou a revogar as leis de ponto final e de obediência devida, permitindo que altos mandos da ditadura militar pudessem ser julgados pelos seus crimes. Alguns estão presos, como o célebre capitão Alfredo Astiz, detido numa base naval, condenado em França à revelia, em 1990, a prisão perpétua pela sua participação no sequestro e desaparecimento de duas freiras francesas. No entanto, nem mesmo os que permanecem livres se lhes permite ter a vida calma e anónima que aspiram, que o diga o antigo general Jorge Rafael Videla.
Várias organizações de direitos humanos, movimentos de esquerda e activistas populares realizaram no sábado uma acção de repúdio contra aquele que foi o primeiro Presidente da ditadura militar.
A iniciativa, denominada popularmente como “escrache” – argentinismo da palavra inglesa “scratch” (arranhar) –, foi realizada frente ao domicílio de Videla e incluiu lançamento de ovos, de garrafas com tinta e lixo contra as paredes do edifício, tudo para marcar simbolicamente o princípio de uma semana de recordações.
Um Ford Falcon desmontado peça por peça exposto no Centro Cultural Recoleta de Buenos Aires é uma das obras simbólicas que assinala o 30º aniversário, numa mega-mostra colectiva inaugurada esta semana.
Um dos símbolos do terror dos sete anos da ditadura militar, o Ford Falcon era o carro habitualmente usado pela polícia e pelos militares quando realizavam as suas rusgas para prender “subversivos” que assim desapareciam sem deixar rasto.
Outro desses símbolos é a tristemente célebre ESMA-Escola de Mecânica da Armada, principal centro de detenção e tortura da ditadura, que o Presidente Kirchner mandou transformar em 2004 no Museu da Memória. Durante apenas sete anos, os militares que dominaram o país a ferro e fogo, em nome do anticomunismo e de um país temente a Deus, mergulharam o país no obscurantismo.
Ao matar ou fazer desaparecer 30.000 pessoas, obrigando muitos mais ao exílio, ao introduzir políticas económicas desastradas que ajudaram a afundar a economia de um país rico em matérias-primas, ao lançar o país numa guerra (Falklands/Malvinas) como tentativa desesperada de sobrevivência, os militares que governaram a Argentina deixaram marcas profundas numa sociedade que ainda hoje não recuperou totalmente do trauma.
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