13 março 2006

Carta aberta aos jornalistas portugueses

Aqui dou conta, com a minha solidariedade, desta Carta Aberta:

CARTA ABERTA AOS JORNALISTAS PORTUGUESES
E CORRESPONDENTES ESTRANGEIROS EM LISBOA


Nos últimos dias chegou às redacções dos órgãos de informação, ou talvez dirigido a determinados jornalistas ou correspondentes estrangeiros em Lisboa, um singular convite da Embaixada de Cuba em Lisboa para um encontro denominado de “Mojito à Moda dos Jornalistas”, no próximo dia 16 de Março.
Naturalmente que respeitamos o direito de cada jornalista a partilhar o “mojito” com os representantes diplomáticos de Cuba. Mas gostaríamos de recordar que este encontro coincide com o terceiro aniversário da “primavera negra” em Cuba, quando foram detidos e julgados sumariamente 75 dissidentes cubanos, dos quais 25 trabalhavam como jornalistas independentes.
Em 2003, quando estes dissidentes foram condenados na sua totalidade a 1.725 anos de prisão, a imprensa portuguesa denunciou o facto. A Assembleia da República aprovou uma moção de condenação. Até o Partido Comunista Português considerou excessivas as penas de prisão e pediu ao Governo de Havana que revisse as sentenças. Naturalmente, sem resultado. E talvez tenha sido por isso que o então líder do PCP, Carlos Carvalhas, não foi recebido por Fidel Castro quando visitou Havana pouco tempo depois.
Desse grupo, continuam na cadeia 20 jornalistas (para não mencionar aqui os restantes dissidentes), condenados a penas que chegam aos 28 anos de prisão. E isto porque o “tribunal” não atendeu o pedido da acusação para que um deles, Ricardo González, fosse condenado a prisão perpétua.
Os cinco jornalistas entretanto libertados, ao abrigo de uma figura jurídica denominada “licença extra-penal”, são Jorge Olivera, Manuel Vázquez Portal, Oscar Espinosa Chepe, Mario Enrique Mayo e Raúl Rivero.
A “licença extra-penal” significa que, a qualquer momento, se não se comportarem “correctamente”, podem regressar à cadeia. Olivera e Espinosa Chepe receberam muito recentemente essa advertência.
Alguns deles conseguiram sair de Cuba, numa conjugação de esforços, e vivem hoje em países da União Europeia. Vázquez Portal encontra-se actualmente nos Estados Unidos.
No caso de Raúl Rivero, intervieram directamente o Governo espanhol e o Prémio Nobel da Literatura Gabriel Garcia Márquez para que pudesse viajar para Madrid.
Jorge Olivera tem visto para viajar para os Estados Unidos, mas o Governo de Cuba nega-lhe a autorização de saída.
Neste momento, encontra-se num hospital de Villa Clara (centro da ilha) o jornalista Guillermo Fariñas, que iniciou há mais de cinco semanas uma greve de fome para que lhe seja dado acesso à internet.
Na prisão de Kilo 8, em Camaguey, está em greve de fome o jornalista Juan Carlos Herrera. Numa carta que conseguiu enviar a partir da prisão, explicou esta sua atitude pelas “condições desumanas de reclusão, a falta de assistência médica e os maus-tratos físicos e verbais de que é vítima, bem como os restantes presos políticos e de consciência encarcerados nesta cruel prisão”.
Em 1991, um grupo de 10 intelectuais, entre os quais cinco jornalistas, enviou uma carta ao Governo cubano pedindo um diálogo nacional e algumas reformas. Alguns deles conheceram a prisão. Todos foram expulsos das associações de jornalistas ou escritores de que faziam parte. Já nenhum vive hoje em Cuba.
Nesta primavera de 2006, repetem-se em Cuba os chamados “actos de repúdio” contra dissidentes ou familiares dos jornalistas presos. São verdadeiros fuzilamentos verbais, ocasionalmente acompanhados de agressões físicas.
Reiteramos que respeitamos o direito a partilhar o “mojito” com os representantes diplomáticos dos carcereiros. Em definitivo, os jornalistas portugueses têm o privilégio de viver num país democrático. Simplesmente, desejamos recordar a situação dos companheiros presos em Cuba. E sugerir, já agora, que perguntem ao Embaixador de Cuba se lhes dá autorização para visitarem os jornalistas cubanos nas cadeias e conversar com os seus familiares.
Ou talvez perguntar-lhe porquê um “mojito” e não, já agora, um “azuquín”. Porque em Cuba, nem os próprios carcereiros podem comprar rum verdadeiro para confeccionar o “mojito” ou o “daiquiri” e preparam então uma bebida a que chamam “azuquín”, obtida simplesmente a partir do açúcar fermentado. Porque os pobres até das ervilhas secas extraem bebidas, enquanto os “mojitos” ficam geralmente para os convidados VIP do Governo.
Os assinantes desta carta manifestam ainda a sua disponibilidade para discutir com os representantes diplomáticos cubanos, num painel moderado por um jornalista português de reconhecido prestígio, a situação da imprensa em Cuba
Obrigado pela vossa atenção

Raúl Rivero Castañeda
Jornalista e poeta cubano. Um dos presos do grupo de 75 e signatário da carta dos 10 intelectuais. Condenado a 20 anos de prisão, cumpriu dois. Actualmente vive exilado em Madrid.

Manuel Díaz Martínez
Jornalista e poeta cubano, membro correspondente da Real Academia da Língua Espanhola. Signatário da carta dos 10 intelectuais. Vive exilado em Las Palmas de Gran Canaria desde 1992.

Miguel Rivero Lorenzo
Ex-dirigente da Unión de Periodistas de Cuba. Reside em Lisboa.