Predrag Matvejevic
O escritor croata, professor de Estudos Eslavos na Universidade de Roma, publicou no El País de 25 de Maio, um texto sobre a independência do Montenegro.
"Uma vez mais - e Deus sabe quantas vezes já aconteceu - muda o mapa geopolítico dos Balcãs. Novamente, um membro separa-se do conjunto e este mesmo conjunto mostra uma vez mais que era mais frágil do que pensava. Em Podgorica, os «independentistas» fazem ondear as bandeiras montenegrinas com uma águia bicéfala sobre fundo vermelho escuro. A vitória é exígua, três ou quatro décimos além do umbral de 55% estabelecido pelos organismos internacionais que mais ou menos governam em grande parte da ex-Jugoslávia, reduzida mais ou menos a um protectorado, um protectorado quase necessário em alguns destes espaços para manter a paz. Tendo em atenção a maioria com que o Presidente dos Estados Unidos foi eleito ou essa que com tanta dificuldade prevaleceu em Itália, a maioria montenegrina de mais de oito por cento parece imponente.
Conclui-se desta forma um processo iniciado no princípio dos anos 90 do século passado com a separação, primeiro da Eslovénia e Croácia, e finalmente também da Bósnia-Herzegovina, Macedónia e Kosovo. Neste momento não existem as condições necessárias para que exista uma nova comunidade estatal semelhante ao que foi a ex-Jugoslávia. Talvez só a entrada destes espaços na União Europeia propicie uma ocasião semelhante, mas para a maior parte dos eslavos meridionais, esse momento está ainda muito longe. Infelizmente. A Jugoslávia estava, do ponto de vista político, social e também cultural, muito à frente dos outros países da Europa de Leste que entraram na União Europeia. Continua a ter um nível muito superior à Roménia e à Bulgária, que estão quase a entrar. Os senhores da guerra recusaram a possibilidade (oferecida em nome da União Europeia pelo seu presidente, Jacques Delors) de aceitar uma ajuda que permitiria solucionar alguns problemas económicos e depois entrar imediatamente na União. Nós, os poucos intelectuais que não nos rendemos ao nacionalismo aos nacionalismos e que apoiámos esta solução, éramos considerados «traidores», pagos pelos «agentes estrangeiros». E agora, talvez, tenhamos de perder meio século até que os habitantes destas zonas se encontrem todos juntos num ambiente europeu ao qual efectivamente pertencem. Porque, no final de contas, os Balcãs foram noutro tempo o berço da Europa e da sua antiga democracia.
É como se se confirmasse uma vez mais a saída humorística e cínica de Chruchill, dita em algum sítio de Itália durante a II Guerra Mundial num encontro com Tito: «As terras balcânicas produzem mais história do que aquela que podem consumir». Os «unionistas» de origem montenegrina, dos quais uma grande parte vive na Sérvia com os nacionalistas sérvios, acusam cada vez mais Tito de ter reconhecido depois da II Guerra Mundial numerosas nacionalidades; pelo contrário, os macedónios, os muçulmanos bósnios e grande parte dos montenegrinos (os independentistas) agradecem-lhe por isso.
O pequeno Montenegro existia como um Estado e um reino antes da Jugoslávia. Também foi um símbolo da resistência contra o império otomano, que não logrou dominar este povo rebelde das montanhas balcânicas, uma espécie de pequeno Piamonte dos eslavos meridionais. E foi este Montenegro que sacrificou a sua independência e a sua autonomia em prol da reunificação dos «irmãos eslavos do Sul» quando se criou a primeira Jugoslávia. Durente muito tempo, no séculos passados, os sérvios e os montenegrinos, ambos cristãos ortodoxos, consideraram-se um povo ou uma nação. Hoje são uma minoria, os montenegrinos «unionistas» que continuam a pensar assim. Não duvido da sinceridade deles. Mas também precisamos de nos colocar na pele dos montenegrinos «independentistas» que foram empurrados por Milosevic e a sua Sérvia para uma comprometedora e humilhante aventura, ao bombardear Dubrovnik e conquistar o território que a rodeia. E que, por isso, tenham sofrido vergonha e culpa. Também eles são - à sua maneira - sinceros.
Os que presenciaram e interpretaram a desagregação da Jugoslávia como consequência do velho cisma cristão que já dividiu este espaço europeu no século XI (ocorrido oficialmente no ano 1054) vêem-se agora desmentidos. Ao contrário dos croatas e eslovenos, católicos, ou dos bósnios, na sua maioria muçulmanos, os montenegrinos pertencem à mesma fé dos sérvios. Ao analisar a história deste espaço, devem modificar-se alguns estereótipos.
No mapa geopolíticos dos balcãs restam outros problemas que a separação de Montenegro e Sérvia podem agravar ferozmente. Deve-se solucionar o problema crucial do Kosovo, onde se encontra uma maioria de 90% de habitantes de origem albanesa, mas onde os monumentos de cultura e fé são de origem sérvio. Também resta a dramática questão da República sérvia (Srpska) na Bósnia-Herzegovina: a Bósnia não pode funcionar como um verdadeiro Estado enquanto tenha outro Estado no seu interior, nascido da agressão e da limpeza étnica de Karadzic e de Mladic, dois criminosos de guerra investigados pelo Tribunal de Haia. Isto impede o funcionamento e o desenvolvimento do Estado bósnio. Aconteça o que acontecer com isto, dentro de umas semanas a equipa de futebol sérvia-montenegrina apresentar-se-á pela última vez composta por montenegrinos e sérvios.
O território produz realmente «mais história do que aquela que podem consumir». A Europa não pode deixar este território, o que quer dizer que deverá tratar de ajudá-lo na sua integração, de lhe devolver a confiança e a dignidade que neste momento parecem destruídas e perdidas."
"Uma vez mais - e Deus sabe quantas vezes já aconteceu - muda o mapa geopolítico dos Balcãs. Novamente, um membro separa-se do conjunto e este mesmo conjunto mostra uma vez mais que era mais frágil do que pensava. Em Podgorica, os «independentistas» fazem ondear as bandeiras montenegrinas com uma águia bicéfala sobre fundo vermelho escuro. A vitória é exígua, três ou quatro décimos além do umbral de 55% estabelecido pelos organismos internacionais que mais ou menos governam em grande parte da ex-Jugoslávia, reduzida mais ou menos a um protectorado, um protectorado quase necessário em alguns destes espaços para manter a paz. Tendo em atenção a maioria com que o Presidente dos Estados Unidos foi eleito ou essa que com tanta dificuldade prevaleceu em Itália, a maioria montenegrina de mais de oito por cento parece imponente.
Conclui-se desta forma um processo iniciado no princípio dos anos 90 do século passado com a separação, primeiro da Eslovénia e Croácia, e finalmente também da Bósnia-Herzegovina, Macedónia e Kosovo. Neste momento não existem as condições necessárias para que exista uma nova comunidade estatal semelhante ao que foi a ex-Jugoslávia. Talvez só a entrada destes espaços na União Europeia propicie uma ocasião semelhante, mas para a maior parte dos eslavos meridionais, esse momento está ainda muito longe. Infelizmente. A Jugoslávia estava, do ponto de vista político, social e também cultural, muito à frente dos outros países da Europa de Leste que entraram na União Europeia. Continua a ter um nível muito superior à Roménia e à Bulgária, que estão quase a entrar. Os senhores da guerra recusaram a possibilidade (oferecida em nome da União Europeia pelo seu presidente, Jacques Delors) de aceitar uma ajuda que permitiria solucionar alguns problemas económicos e depois entrar imediatamente na União. Nós, os poucos intelectuais que não nos rendemos ao nacionalismo aos nacionalismos e que apoiámos esta solução, éramos considerados «traidores», pagos pelos «agentes estrangeiros». E agora, talvez, tenhamos de perder meio século até que os habitantes destas zonas se encontrem todos juntos num ambiente europeu ao qual efectivamente pertencem. Porque, no final de contas, os Balcãs foram noutro tempo o berço da Europa e da sua antiga democracia.
É como se se confirmasse uma vez mais a saída humorística e cínica de Chruchill, dita em algum sítio de Itália durante a II Guerra Mundial num encontro com Tito: «As terras balcânicas produzem mais história do que aquela que podem consumir». Os «unionistas» de origem montenegrina, dos quais uma grande parte vive na Sérvia com os nacionalistas sérvios, acusam cada vez mais Tito de ter reconhecido depois da II Guerra Mundial numerosas nacionalidades; pelo contrário, os macedónios, os muçulmanos bósnios e grande parte dos montenegrinos (os independentistas) agradecem-lhe por isso.
O pequeno Montenegro existia como um Estado e um reino antes da Jugoslávia. Também foi um símbolo da resistência contra o império otomano, que não logrou dominar este povo rebelde das montanhas balcânicas, uma espécie de pequeno Piamonte dos eslavos meridionais. E foi este Montenegro que sacrificou a sua independência e a sua autonomia em prol da reunificação dos «irmãos eslavos do Sul» quando se criou a primeira Jugoslávia. Durente muito tempo, no séculos passados, os sérvios e os montenegrinos, ambos cristãos ortodoxos, consideraram-se um povo ou uma nação. Hoje são uma minoria, os montenegrinos «unionistas» que continuam a pensar assim. Não duvido da sinceridade deles. Mas também precisamos de nos colocar na pele dos montenegrinos «independentistas» que foram empurrados por Milosevic e a sua Sérvia para uma comprometedora e humilhante aventura, ao bombardear Dubrovnik e conquistar o território que a rodeia. E que, por isso, tenham sofrido vergonha e culpa. Também eles são - à sua maneira - sinceros.
Os que presenciaram e interpretaram a desagregação da Jugoslávia como consequência do velho cisma cristão que já dividiu este espaço europeu no século XI (ocorrido oficialmente no ano 1054) vêem-se agora desmentidos. Ao contrário dos croatas e eslovenos, católicos, ou dos bósnios, na sua maioria muçulmanos, os montenegrinos pertencem à mesma fé dos sérvios. Ao analisar a história deste espaço, devem modificar-se alguns estereótipos.
No mapa geopolíticos dos balcãs restam outros problemas que a separação de Montenegro e Sérvia podem agravar ferozmente. Deve-se solucionar o problema crucial do Kosovo, onde se encontra uma maioria de 90% de habitantes de origem albanesa, mas onde os monumentos de cultura e fé são de origem sérvio. Também resta a dramática questão da República sérvia (Srpska) na Bósnia-Herzegovina: a Bósnia não pode funcionar como um verdadeiro Estado enquanto tenha outro Estado no seu interior, nascido da agressão e da limpeza étnica de Karadzic e de Mladic, dois criminosos de guerra investigados pelo Tribunal de Haia. Isto impede o funcionamento e o desenvolvimento do Estado bósnio. Aconteça o que acontecer com isto, dentro de umas semanas a equipa de futebol sérvia-montenegrina apresentar-se-á pela última vez composta por montenegrinos e sérvios.
O território produz realmente «mais história do que aquela que podem consumir». A Europa não pode deixar este território, o que quer dizer que deverá tratar de ajudá-lo na sua integração, de lhe devolver a confiança e a dignidade que neste momento parecem destruídas e perdidas."
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