22 setembro 2006

O que está verdadeiramente em causa na polémica com Bento XVI

De um artigo de Tariq Ramadan, hoje publicado no "El País":


"Quando os cidadãos são privados dos seus direitos essenciais e da sua liberdade de expressão, não custa nada deixar que libertem a sua ira a propósito de umas caricaturas dinamarquesas ou de umas palavras do Pontífice."

"(...) ao sublinhar a relação privilegiada entra a tradição racionalista grega e a religião cristã, [o papa] tenta estabelecer uma identidade europeia que seria cristã no religioso e grega no que diz respeito à razão filosófica. Dessa forma, o islão, que, pelos vistos, não tem esse tipo de relação com a razão, seria alheio à identidade europeia construída a partir desse legado. Há anos, o então cardeal Ratzinger manifestou a sua oposição à entrada da Turquia na Europa com argumentos similares."

"O papa Bento XVI está a convidar os cidadãos do continente para que sejam conscientes do ineludível carácter cristão da sua identidade, que correm o risco de perder. A mensagem pode ser legítima nestes tempos de crise de identidade, mas é inquietante e quiçá perigosa porque é reducionista em dois aspectos, o enquadramento histórico e a definição da identidade europeia. Isso é que exige uma resposta dos muçulmanos."

"[Os muçulmanos] Devem recusar uma interpretação da história do pensamento europeu que elimina o papel do racionalismo muçulmano, na qual a contribuição árabe e muçulmana fica reduzida à mera tradução das grandes obras de Grécia e Roma. A memória selectiva que com tanta facilidade 'esquece' as decisivas contribuições de pensadores muçulmanos racionalistas como Al Farabi (século X), Avicena (século XI), Averróis (século XII), Al Ghazali (século XII), Ash Shatibi (século XIII) e Ibn Jaldun (século XIV), reconstrói uma Europa falsa, que se engana sobre o seu próprio passado."

"Nem a Europa, nem o Ocidente podem sobreviver enquanto continuem a tratar de nos definir através da exclusão do Outro - o Islão, os muçulmanos - que tememos."

"É possível que o que mais necessita a Europa não seja um diálogo com outras civilizações, mas um autêntico diálogo consigo mesmo, com essas facetas de si própria que se negou a reconhecer durante demasiado tempo e que, ainda hoje, a impedem de aproveitar a riqueza das tradições religiosas e filosóficas que a formam."

"A Europa deve aprender a aceitar a diversidade do seu passado para dominar o forçoso pluralismo do seu futuro."