Dez anos após o assassínio do ex-primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin, que se assinalaram na sexta-feira, israelitas e palestinianos continuam sem paz à vista, tal como pretendiam os fundamentalistas que instigaram a sua morte. Bastaram três balas para matar o primeiro-ministro israelita a 4 de Novembro de 1995 e, com ele, os esforços de paz que Rabin e Yasser Arafat tinham feito para chegar aos Acordos de Oslo de 1993. Pela assinatura do documento, ambos receberam mesmo o Nobel da Paz. Mas a paz ainda é um objectivo por cumprir. A situação evoluiu apesar de tudo na última década. E até de uma forma estranha. Ariel Sharon que, em 1995, animava os extremistas de direita contra o trabalhista Rabin, que alegadamente entregara o país aos palestinianos, é hoje, também ele, considerado um traidor para os sionistas que sonham com o Grande Israel, do Mediterrâneo até ao rio Jordão. O Shin Beth, os serviços de segurança internos israelitas, muito questionados em 1995 por terem falhado na protecção de Rabin – não só deixaram Amir aproximar-se o suficiente para disparar, como lhe permitiram atirar sobre o primeiro-ministro –, aprenderam com o erro e hoje construíram um muro intransponível em torno de Sharon. Arafat morreu e nenhum outro palestiniano parece actualmente ter força e carisma para liderar, suplantar os extremismos e sentar-se ao mesmo nível na mesa de negociações com Israel. A paz ainda não existe, os Acordos de Oslo pertencem à história, uma segunda Intifada fez mais de quatro mil mortos desde Setembro de 2000, porém, os israelitas abandonaram a Faixa de Gaza. Uma retirada unilateral decidida por Sharon pôs fim a 38 anos de ocupação. “Sharon avança pelos trilhos de Rabin, com o apoio da grande maioria dos israelitas. Se o comboio da paz foi travado, isso não é mais do que uma paragem temporária”, explica o optimista Eytan Haber, antigo chefe de gabinete de Rabin. Yossi Sarid, actual deputado da oposição de esquerda e antigo ministro do primeiro-ministro assassinado, integra a corrente pessimista. “Há uma diferença essencial entre Rabin, que conheci muito bem, e Sharon: podíamos confiar em Rabin, enquanto nunca sabemos aquilo que Sharon quer verdadeiramente e se o seu plano de retirada pretende chegar à paz ou a anexar uma grande parte da Cisjordânia”, diz Sarid. Para Carmi Gillon, chefe do Shin Beth na altura do assassínio de Rabin, estes dez anos marcaram uma involução no conflito israelo-palestiniano, provando que Amir “ganhou”. Numa entrevista ao diário israelita Yedioth Ahronoth, Gillon falou de “um grupo de centenas de milhares, nem todos assassinos, que acreditam que o assassínio de Yitzhak Rabin alcançou o seu objectivo, ao travar o Acordo de Oslo”. Segundo uma sondagem publicada recentemente, 18 por cento dos israelitas estão dispostos a “um dia” perdoar Amir e 39 por cento acreditam que ele acabará por beneficiar de um indulto. A família do homicida, condenado a prisão perpétua porque a pena de morte é reservada em Israel aos crimes de genocídio e contra a humanidade, tem desenvolvido nos últimos tempos uma campanha destinada a pressionar a justiça e o Governo israelitas a conceder um indulto a Yigal Amir. Para a família, tal como para o próprio, a justiça deveria ser mais branda, porque Amir limitou-se a “matar um criminoso”. Geula Amir, a mãe, numa entrevista ao canal 10 da televisãoisraelita, não só não mostrou remorsos pelo acto do filho, como instigou outros a imitá-lo. Para Geula Amir, é “necessário enforcar todos aqueles que estiveram envolvidos” na retirada da Faixa de Gaza. Para a extrema-direita israelita, Yigal foi apenas a mão que cumpriu o seu papel em 1995, tal como deveria haver agora alguém a fazer o mesmo com Sharon. Se há campo onde nada evoluiu é o do extremismo. Hoje, como há dez anos, tanto a sociedade israelita como a palestiniana vivem chantageadas pelas alas mais radicais das suas sociedades e o pragmatismo corre perigo de vida. Rabin sabia, quando estendeu a mão a Arafat em Setembro de1993, que o conflito no Médio Oriente provoca vítimas entre os pragmáticos. Anwar el-Sadat, o Presidente egípcio que cometeu o sacrilégio de assinar um tratado de paz com Israel no final dos anos 70, foi assassinado em 1981 pela sua ousadia. No entanto, o general Rabin, que liderara a luta israelita durante a primeira Intifada e dera a ordem para “quebrar os ossos” aos palestinianos, percebeu, a certa altura, que o conflito era uma guerra de soma negativa para ambas as partes. Por isso, aceitou assinar a paz com Arafat sob os auspícios de Bill Clinton, na altura Presidente dos Estados Unidos – a cerimónia oficial dos dez anos da morte de Rabin foi adiada para dia 14 para que Clinton possa estar presente. Dois anos depois, Rabin foi assassinado. Sharon ordenou a retirada israelita da Faixa de Gaza e vive rodeado de guarda-costas, sai o menos possível, não fala em lugares públicos e vive permanentemente ameaçado. Porém, é frágil a discussão em torno do assunto. Escreve Uzi Benziman no diário israelita Haaretz: “Devido a óbvios motivos políticos, o décimo aniversário do assassínio de Rabin não está a ser aproveitado para efectuar um debate sobre o significado do abominável acto. Esta fuga ao assunto é conveniente para o Likud e para o resto dos partidos da extrema-direita, por causa da parte que lhes coube no inflamar das emoções há dez anos”. Para Benziman, e outros analistas, a extrema-direita, com a sua retórica inflamatória – que se voltou a sentir antes, durante e depois da retirada israelita da Faixa de Gaza – atiça o ódio e cria o clima propício para que surjam “Yigal Amires” prontos a cumprir o seu destino messiânico em prol do sonho sionista – armas letais para qualquer sonho de paz. O problema é que sem essa discussão, sem que a extrema-direita responda pelo ódio que atiça, é cada vez mais difícil ver surgir políticos pragmáticos capazes de olhar para o futuro. No dia em que foi assassinado, o general Rabin, herói de guerra, líder duro que mandara “quebrar os ossos” dos palestinianos para fazer dobrar a Intifada, acabara de participar numa manifestação multitudinária a favor da paz. Na praça central de Telavive, que hoje ostenta o seu nome, Rabin foi capaz de entoar canções pacíficas com os milhares que enchiam o espaço disponível. “Este Governo, que tenho o privilégio de liderar com o meu amigo Shimon Peres [então ministro dos Negócios Estrangeiros], decidiu dar uma hipótese à paz. Uma paz que resolverá a maior parte dos problemas do Estado de Israel”, disse Rabin nessa noite de 4 deNovembro de 1995. “Fui um militar durante 27 anos. Fiz a guerra enquanto não houve hipótese de paz. Acredito agora que existe uma hipótese para a paz, uma grande hipótese, e temos de a aproveitar para os que estão aqui e para aqueles que não estão – e são muitos”, continuou Rabin. “Sempre acreditei que a maioria do povo quer a paz e está disposto a arriscar pela paz (…) que o povo quer realmente a paz e opõe-se à violência. A violência corrói as bases da democracia israelita”, acrescentou o então primeiro-ministro. Dez anos depois, a maioria da população israelita, dizem as sondagens, continua a desejar a paz e a opor-se à violência, mas Rabin está morto, os Acordos de Oslo também e o Shin Beth vai tendo muito trabalho para manter Sharon vivo.