24 novembro 2005

Silva Melo na morte de Isabel de Castro

O actor, realizador e encenador Jorge Silva Melo considerou hoje a morte da actriz Isabel de Castro, aos 74anos, uma “enormíssima perda” por se tratar de uma actriz “maravilhosa no teatro, no cinema”.
“Isabel de Castro era uma pessoa muito original, muito extravagante e muito cheia de curiosidade pelas coisas e pelas pessoas”, disse Jorge Silva Melo à agência Lusa, numa reacção à morte da actriz hoje em Borba. Jorge Silva Melo recordou tratar-se de uma pessoa que vinha de um “meio muito culto”, uma vez que a mãe era cantora lírica e o pai escritor, o que a terá influenciado a escrever desde cedo.
“Nunca tinha um tostão, estava sempre mal com a vida, mas era uma mulher maravilhosa e lindíssima e que muitas vezes se menosprezava”, sublinhou.
A actriz, em declarações à imprensa, por várias vezes salientou que “nunca quis ser rica” pois “o dinheiro muda as pessoas”, acrescentando que “um bom actor é humilde”.
Jorge Silva Melo, que dirigiu e contracenou com Isabel de Castro no cinema e no teatro, encenou a última peça em que a actriz participou nos Artistas Unidos, “O Fim ou Tende Misericórdia de Nós”, estreada na Culturgest, Lisboa, em 1996.

23 novembro 2005

O mundo já não é realista

"Acho que o realismo absoluto pertence ao passado, já que antes havia uma ligação entre o autor e o leitor em relação ao tipo de mundo sobre o qual se escrevia. Agora já não existe esse acordo e creio, portanto, que é preciso escrever de outra forma. O mundo de hoje não é realista."
Salman Rushdie, in El País

Como narrar a proximidade dos lugares distantes

"Agora viaja-se muito mais e as pessoas que nascem num determinado lugar acaba por viver noutro muito distante. Isto destrói a ideia de raízes, da identidade, da linguagem. Hoje o mundo mudou muito e há muito mais relações entre lugares distantes. Desde que era criança em Bombaim tenho vivido esta mistura. Há que encontrar uma nova maneira de narrar isto."
Salman Rushdie, in El País

O PT brasileiro transformou-se numa piada fraudulenta

Notícia da revista "Veja"

O Conselho de Ética vai investigar um caso inédito de falta de ética, ocorrido numa petição que exigia, claro, respeito à ética. O caso é o seguinte: no início do mês passado, o deputado Onyx Lorenzoni, do PFL gaúcho, acusou o ex-ministro José Dirceu de omitir um empréstimo de 14.000 reais em suas declarações de renda. No dia 14 de outubro, em defesa do ex-ministro, a direção do PT entrou com uma representação contra o pefelista no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, acusando-o de ferir o decoro parlamentar. Para o PT, além de não provar a denúncia, Lorenzoni divulgara dados protegidos pelo sigilo bancário e fiscal, o que justificaria a cassação de seu mandato. O Conselho de Ética, porém, acaba de ser surpreendido com uma informação: a representação do PT aparece assinada pelo então presidente do partido, o ex-ministro Tarso Genro, só que o ex-ministro não assinou o documento. Ou seja: sua assinatura foi falsificada, segundo atestam as 63 páginas de um laudo pericial elaborado pelo Instituto Del Picchia, em São Paulo.
O laudo grafotécnico foi solicitado por VEJA ao perito Celso Del Picchia, o mesmo que, recentemente, revelou a autenticidade da assinatura do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, num documento que o parlamentar negava ter assinado. A mentira custou-lhe o mandato. Na representação do PT, Del Picchia encontrou disparidades gritantes entre a assinatura falsa e a assinatura verdadeira de Tarso Genro. A falsa foi comparada com cinco modelos verdadeiros, extraídos de documentos oficiais. O modelo mais antigo é de junho de 2001, quando Genro era prefeito de Porto Alegre. O mais recente é de 29 de julho passado, assinado por Genro quando era ministro da Educação. Com isso, o perito atestou que a assinatura na representação do PT não foi feita pela mesma pessoa. Atestou mais: que até as três rubricas apostas ao documento foram falsificadas. Ou seja: Genro não é o signatário do documento que pede a cassação de Lorenzoni. "Não há dúvida de que a assinatura da representação é falsa", atesta Del Picchia, que, na página 32 do laudo, afirma, em linguagem mais técnica, que o trabalho o autoriza a "decretar sem ressalvas a inautenticidade dos sinais gráficos apostos à petição em tela".
Ao ser informado sobre o resultado do exame, o presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar, ficou espantado, classificou o caso como "gravíssimo" e já disse que vai notificar o PT para que confirme – ou não – a autenticidade da assinatura. É uma situação embaraçosa. Se o PT admitir que a assinatura não foi feita por Tarso Genro, estará confessando o crime de falsidade ideológica, que pode render até três anos de prisão para o fraudador. Nesse caso, será preciso abrir uma investigação para saber quem, dentro das fileiras petistas, anda fraudando assinatura de dirigentes partidários em documentos públicos da legenda. Procurado na semana passada, o ex-ministro Tarso Genro não quis falar sobre o assunto, mas, por intermédio de sua secretária, mandou dizer que "assinou a representação e enviou-a à bancada". VEJA então lhe encaminhou por fax uma cópia da representação protocolada no Conselho de Ética e atestada como falsa pela perícia. De novo, Tarso não quis se manifestar e pediu que sua secretária informasse à revista que o documento remetido por fax fora assinado por ele, sim.
Cria-se, portanto, um quadro esdrúxulo no qual a palavra de Genro será confrontada com sua assinatura. Pelas normas do direito brasileiro, o documento tem mais valor que a palavra. Consultado por VEJA em termos hipotéticos, sem ser informado dos nomes reais envolvidos, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, deu uma informação técnica: "Sob o ângulo formal, o laudo prevalece". Isso significa que Genro pode dizer o que quiser, mas, se a prova material oficial não lhe der o devido respaldo, estará caracterizada a falta com a verdade – e, de quebra, a suspeita de que se envolveu diretamente na fraude, ficando assim também sujeito à pena de três anos de prisão. "No aspecto criminal, concluindo-se tecnicamente que a assinatura não é do suposto autor, pode-se vislumbrar crime de falsidade ideológica", acrescentou o ministro do STF. Se, por hipótese, Genro tivesse admitido que, impossibilitado por alguma razão de assinar a representação, pedira a alguém para que o fizesse em seu lugar, ainda assim se configuraria crime. No plano jurídico, não existe absolvição para uma suposta "falsidade consentida".
A representação do PT foi protocolada no Conselho de Ética pelo deputado Wasny de Roure, do PT do Distrito Federal. A tarefa foi cumprida às pressas. O deputado conta que estava aguardando uma audiência no prédio do Ministério do Planejamento quando, de repente, recebeu um telefonema da liderança do PT na Câmara pedindo que se deslocasse imediatamente até o protocolo do Conselho de Ética. Sem esperar pela audiência, Wasny de Roure, percebendo que se tratava de um caso de urgência, simplesmente fez o que lhe pediram. "Nem sabia direito o que era", diz ele. "Apenas cumpri uma missão partidária." Quem disparou o telefonema afobado para o deputado foi um antigo funcionário da liderança petista, Athos Pereira, que se recusou a falar com VEJA. "Agora entendo por que a peça é juridicamente tão malfeita", alfineta o deputado Onyx Lorenzoni, ao lembrar que, além de um político correto, Tarso Genro é um advogado respeitado e experiente. Lorenzoni, com suas acusações fiscais, bateu de frente contra o deputado José Dirceu. Mas não há indício de que José Dirceu esteja envolvido nessa fraude.

17 novembro 2005

Quando se esperava a acalmia...

Quando se esperava a acalmia, eis que o governo francês volta à baila na defesa de mais uma ideia da extrema-direita: afinal, a culpa dos distúrbios violentos das últimas semanas é da poligamia. Sim, ouviram bem, a tese que o Governo roubou a Le Pen, é a de que a poligamia leva a que os apartamentos fiquem demasiado pequenos para as famílias de baixos rendimentos. Logo, para fugirem a essa falta de espaço, os filhos desses polígamos vêm para a rua queimar automóveis.
Já se sabia que a direita, com o ultra-ambicioso Nicolas Sarkozy à cabeça queria ocupar o espaço da Frente Nacional para ganhar as próximas presidenciais, o que não se sabia é que a falta de escrúpulos chegasse a tal ponto que, hoje, a diferença entre a UMP de Chirac e a FN de Le Pen é nenhuma. Para os senhores do governo francês tudo vale para manter o poder até pôr o país à arder. E isto quando se esperava a acalmia e o bom senso.

14 novembro 2005

Lições de civilização

Os rumores de que os Estados Unidos utilizam prisões secretas em países terceiros, onde há menos preocupação com os direitos humanos ou menos pressão da imprensa, há muito que se multiplicam para não terem algum fundo de verdade.
Desta vez, no entanto, não é um qualquer país ditatorial ou militarizado como o Paquistão ou Iémen, mas a Polónia (membro da União Europeia) e a Roménia (esperançada em sê-lo), que são apontados pela Human Rights Watch como território dessas penitenciárias secretas onde os Estados Unidos mantêm altos responsáveis da Al-Qaida guardados até ter provas para os julgar (ou até quando lhes apetecer).
O caso da base norte-americana de Guantánamo arrasta-se desde o final da guerra no Afeganistão, sem que ninguém faça nada para o alterar. As denúncias de torturas e prisões arbitrárias multiplicaram-se em relação ao conflito no Iraque. Os governos ocidentais esmeram-se para, no comboio da luta contra o terrorismo, apertar cada vez mais a rede da segurança e do controlo em torno dos seus cidadãos.
Perante isto, como podemos dizer que estamos a ganhar a guerra? Que estamos a conseguir vencer o terrorismo?
Por cada prisioneiro torturado, por cada detido sem culpa formada, por cada caso de violação de direitos humanos, os Estados Unidos não estão só a garantir, perante um esfregar de mãos de contentamento de qualquer fundamentalista de meia-tigela, o fornecimento de mais carne para a fogueira da pseudo-luta religiosa promovida pelos "jihadistas" seguidores dos princípios da Al-Qaida.
Por cada um desses casos em que os Estados Unidos recorrem aos mesmos métodos que um qualquer Saddam Hussein não desdenharia, a Casa Branca encarrega-se de destruir mais um pouco da civilização humanista que este século XX ajudou a talhar depois da II Guerra Mundial - "a guerra para acabar com todas as outras".
Não só a exibição do seu poderio militar de nada serviu (por ser incapaz de ganhar uma guerra, por ser incapaz de garantir a paz), como ainda se tornou contra-producente - a superpotência vista como opressora e ocupante garante oxigénio quase eterno para a revolta e presta-se à diabolização fácil por parte do inimigo.
Os Estados Unidos de Bush e dos neo-conservadores (felizmente, hoje em perda de influência vertiginosa) causou muito mais dano ao mundo pós-Segunda Guerra Mundial e pós-Guerra Fria que o terrorismo da Al-Qaida. E isto quando Bush até conseguiu, logo a seguir ao 11 de Setembro, a maior coligação de forças para perseguir o regime talibã e Bin Laden no Afeganistão.
Os valores da civilização ocidental, que muitos desses que decidem a guerra gostam de usar para a justificar, foram postos em causa. É preciso esperar alguns anos para saber se alguns dos danos não foram irreversíveis.

12 novembro 2005

Outras razões III

"O cidadão está atado por modelos de identificação que já não existem. Daí que surjam identidades inconsciente do tipo religioso ou étnico que ganharam vantagem em relação à identidade que surge do conceito e sentimento de cidadania republicana. Se tudo desaparece, o que salva o indivíduo é a identidade religiosa e étnica. [A partir disso] surge o vértigo e a sublevação anárquica, sem fim nem objecto, entre o desafio e a raiva como expressão de uma frustração."
Régis Debray in El País

Outras razões II

"Toda a sociedade tem uma religião civil. A francesa era a república. A República Francesa era a máquina de integração, estragou-se e foram todas as peças de uma vez: o exército, a família, a escola... que eram os elementos que transmitiam uma cultura patriótica. Mas o mesmo se passou com a Igreja, os partidos, os sindicatos... Todos esses patamares da vida social se romperam. O Estado de direito não pode viver sem valores comuns. A lei como tal não é um valor, mas outro patamar entre valores transcendentes." Régis Debray in El País

Outras razões

"Antes, havia uma extrema-direita xenófoba e um centro-esquerda favorável à integração. Hoje é muito mais complexo. A extrema-direita continua a ser xenófoba e pede a expulsão dos imigrantes, mas o resto da população não é sensível [ao tema]. A xenofobia começa a converter-se em islamofobia. Quando se produz uma agitação dos jovens nos subúrbios, sem o saber e sem o querer, estão a aumentar a associações de ideias que se faz entre violência e islão."
Jean Daniel, director do Le Nouvel Observateur in El País

Razões III

"Só posso falar da política que tenho aplicado nos últimos dez anos. Pragmatismo e generosidade. Nada de fórmulas mágicas e tratar de apoiar, a partir da Câmara, as associações que trabalham nos bairros. Além disso, existe aqui uma concepção diferente do republicanismo francês. A separação entre os poderes públicos e a religião não é tão forte como no resto da França e acho que a gente de Marselha, pelo seu carácter, agradece."
Jean-Claude Gaudin, presidente da Câmara de Marselha in El País

11 novembro 2005

Razões II

"Isto não é Paris e talvez pelo nosso carácter mediterrânico tendemos a olhar para tudo com um ponto de vista relaxado. (...) Nesta cidade temos uma ferramenta que nenhuma outra tem, pelo menos na mesma medida que aqui. Refiro-me ao Olympique de Marselha. A nossa equipa de futebol tem interpretado um papel vertebrador da cidade e está a servir de grande ajuda para suavizar as rupturas como as que agora existem em França. As cores do Olympique unem-nos de uma forma difícil de explicar e isto nota-se na rua."
Jean-Claude Gaudin, presidente da câmara de Marselha in El País

Razões

"Esta não é a típica cidade francesa. Marselha, graças ao seu porto, sempre se caracterizou por ter uma enorme mistura de gentes e culturas. Mas o mais importante é que o seu crescimento não se baseou na construção de bairros enormes a 10 ou 15 quilómetros de centro, mas na distribuição dos recém-chegados por toda a cidade. Poderiamos dizer que aqui não existe periferia e, por conseguinte, e apesar das diferenças sociais, ninguém se sente marselhês de segunda."
Jean-Claude Gaudin, presidente da câmara de Marselha in El País

Finalmente, um elogio

Foi preciso esperar duas semanas para que Jean-Marie le Pen viesse a público para ironicamente elogiar as medidas defendidas pelo ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy. Essas ideias peregrinas de expulsar todos os imigrantes envolvidos nos distúrbios que atingem a França, incluindo aqueles que nasceram em França, parece-me sem dúvida a melhor ideia para lidar com a situação: quando a casa está a arder o melhor mesmo é deitar mais lenha para a fogueira. Outro deputado, Jean-Paul Garraud, do partido direitista inventado por Chirac, a UMP, preconiza mesmo o retirar da nacionalidade aos franceses que sejam apanhados pela polícia. A estes senhores já nem é preciso chamar-lhes nada, basta deixá-los a falar com o seu amigo do peito, esse grande humanista chamado Jean-Marie le Pen...

O mistério das caixas de fósforo

"Comprar uma caixa de fósforos é, em circunstâncias normais, um gesto banal e barato, mas desde há uma semana, na capital de Cabo Verde, passou a ser missão quase impossível ou demasiado cara.
De repente, os fósforos desapareceram das mercearias da Cidade da Praia para surgirem, ainda que raramente, nas mãos de vendedores ambulantes que vendem cada caixa por 30 ou 40 escudos cabo-verdianos (30 a 40 cêntimos de euro).
Isto, quando o preço das embalagens de 12 caixas de fósforos, numa situação normal, custa o preço a que agora é vendida cada uma. Para resolver o problema, começou a corrida aos isqueiros e estes não só ficaram mais caros, por vezes mais 50 escudos cabo-verdianos, como se tornaram raros, embora menos do que os fósforos.
O “mistério” dos fósforos desaparecidos começou, por estes dias,a ser alvo de uma investigação colectiva. As versões vão-se acumulando à medida que os dias passam. Em algumas mercearias da Cidade da Praia, ouvem-se as mais estranhas explicações para o fenómeno, sendo a mais bizarra a que aponta para a existência de um insecto que anda a comer a cabeça dos fósforos.
Josefina Teixeira, doméstica, andava à procura, sem sucesso, de “pelo menos uma caixinha” para desenrascar, numa das várias mercearias da Achada de Santo António, na Cidade da Praia. Não sabia a razão do desaparecimento, mas sabia, “agora”, umacoisa simples: “Nunca tinha pensado, na minha vida, que uma caixa de fósforos fosse tão importante!”.
Arlinda Semedo, outra dona de casa “desesperada” com “esta coisa de não haver fósforos na cidade”, disse à Lusa que há pessoas a comprar caixas por 40 escudos, incluindo ela, que “ainda por cima”, teve de dividir a “preciosidade” com uma parente.
A Agência Lusa tentou junto do único importador de fósforos na Cidade da Praia saber a origem desta insólita situação, mas a única resposta que obteve foi a confirmação de que o produto é “actualmente escasso” na cidade... e no país.
No entanto, uma fonte “mais ou menos” conhecedora dos meandros do “mistério” adiantou como razão para o desaparecimento dos “pauzinhos mágicos” o facto de o importador estar à procura de novo fornecedor porque a empresa portuguesa que os exportava para Cabo Verde impôs um aumento severo no custo da mercadoria.
A ruptura dos “stocks” aconteceu igualmente na maioria das ilhas do arquipélago e uma das principais dores de cabeça das populações mais pobres, é que para acender os candeeiros a petróleo usados no país, na falta de electricidade, são precisos fósforos.
Em jeito de desabafo, um cidadão da Praia lamentou-se pelo facto de não haver fósforos, mas logo ironizou: “Não há fósforos, mas quem quiser comprar um carro topo de gama basta ir ao “stand” mais próximo...”. "
Rafael Bordalo in Agência Lusa

10 novembro 2005

Lema de campanha

O lema de campanha da candidatura presidencial de Cavaco Silva é muito elucidativa: "Portugal Maior". Não, "Portugal Melhor", mas "Portugal Maior". Não estranha vindo de um economista que sempre viu o país através do abstraccionismo dos números e que, portanto, é capaz de confundir "maior" com "melhor".
Uma vez que não devemos interpretar a frase à letra, imaginando uma qualquer invasão de Espanha ou a exigência diplomática da entrega de Olivença, "Portugal Maior" deve ser interpretada segundo o seu valor intrínseco.
Ora, os problemas de Portugal não são a sua dimensão, mas as dimensões a que lhe atribuímos em tempos de euforia ou de crise aguda. Portugal é maior ou menor em consequência do nosso estado de espírito. Ou seja, Portugal é sempre o mesmo, nós é que vamos mudando.
No entanto, como os nossos problemas existenciais não alteram a condição de Portugal, quando Cavaco Silva fala em "Portugal Maior" está realmente a falar em mudar a nossa percepção das coisas, a tentar levar-nos outra vez para o tempo da euforia. E não em transformar-nos num país melhor.
Olhando para Portugal como a velha história do copo com líquido até meio, Cavaco Silva quer fazer-nos crer que o copo que vemos meio vazio está, realmente, meio cheio. Quanto a fórmulas para o encher, o ex-primeiro-ministro não tem.
Portanto, o que a candidatura presidencial de Cavaco Silva pretende é uma manobra de prestidigitador, de ilusionismo: sem nada na manga, quer dar-nos a entender que o país vai mudar com ele, mas o que pretende é, com um simples truque, mudar tudo para que tudo fique igual, menos a nossa visão do problema.
Cavaco Silva não está interessado num Portugal melhor, porque se estivesse não se vangloriava da sua década no Poder, em que o país perdeu inúmeras oportunidades de se tranformar num país moderno, verdadeiramente europeu, e não numa nação que fez as estradas todas para melhor transportar os seus produtos para a Europa e esqueceu-se de investir nas indústrias para os produzir.
Todos aqueles fundos europeus deixados a correr à solta tiveram uma única consequência: hoje continuamos tão dependentes de sectores de mão-de-obra intensiva como antes, com a agravante de que esta deixou há muito de ser competitiva.
Nem o exemplo da Irlanda faz corar Cavaco Silva e os cavaquistas quando falam com a boca cheia da sua "OBRA". Qual? Todas essas estradas a que os governos recorrem como salvação para o défice crónico do aparelho do Estado? Taxando com outro imposto indirecto os pobres ordenados que um dia Cavaco Silva também prometeu aproximar da média europeia.
Cavaco Silva teria de morder a língua se o seu lema de campanha fosse "Portugal Melhor" ou então teria de reconhecer que a sua década no poder falhou e todos estes anos de reflexão como professor de economia e cidadão lhe permitiram descobrir outras formas de melhorar este país.
Com "Portugal Maior" está apenas a dizer mais do mesmo: para quê ter um país desenvolvido se podemos ter a maior árvore de Natal da Europa?!

09 novembro 2005

Cinco estrelas sobre Cabul

Quatro anos depois da queda dos talibãs, o primeiro hotel de cinco estrelas abriu em Cabul, a capital do Afeganistão. Propriedade da Fundação Aga Khan, que investiu 36,5 milhões de dólares na sua construção, o Kabul Serena tem quartos a partir de 250 dólares por noite, ou seja, cinco vezes mais do que ganha um funcionário público afegão. O hotel conta atrair homens de negócios desejosos de investir no Afeganistão, um dos países mais pobres do mundo.

08 novembro 2005

Recordações de uma noite

"Aquela noite, na praça, queriamos incentivar Yitzhak Rabin a dar um passo em frente, a ser mais forte e claro. Queriamos recordar-lhe que tinha apoio em Israel, um apoio maior que aqueles que se opunham a ele e que lhe chamavam assassino e traidor. Queriamos recordar-lhe que para conseguir a paz não basta caminhar em direcção ao teu inimigo para o encontrar a meio caminho. Num certo sentido, cada um deve percorrer todo o caminho até chegar aonde está o outro e mergulhar nos medos, nas feridas e na desgraça do seu inimigo. Queriamos gritar-lhe ao ouvido que o processo de paz é um processo reversível, frágil, quase inviável nesta região tão violenta e que, para que tivesse êxito, haveria que actuar algumas vezes contra os temores mais profundos, contra os sofisticados mecanismos de sobrevivência que se foram consolidando depois de tantas guerras."
David Grossman, escritor israelita, in El País

Dez anos depois da morte de Rabin

Dez anos após o assassínio do ex-primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin, que se assinalaram na sexta-feira, israelitas e palestinianos continuam sem paz à vista, tal como pretendiam os fundamentalistas que instigaram a sua morte. Bastaram três balas para matar o primeiro-ministro israelita a 4 de Novembro de 1995 e, com ele, os esforços de paz que Rabin e Yasser Arafat tinham feito para chegar aos Acordos de Oslo de 1993. Pela assinatura do documento, ambos receberam mesmo o Nobel da Paz. Mas a paz ainda é um objectivo por cumprir. A situação evoluiu apesar de tudo na última década. E até de uma forma estranha. Ariel Sharon que, em 1995, animava os extremistas de direita contra o trabalhista Rabin, que alegadamente entregara o país aos palestinianos, é hoje, também ele, considerado um traidor para os sionistas que sonham com o Grande Israel, do Mediterrâneo até ao rio Jordão. O Shin Beth, os serviços de segurança internos israelitas, muito questionados em 1995 por terem falhado na protecção de Rabin – não só deixaram Amir aproximar-se o suficiente para disparar, como lhe permitiram atirar sobre o primeiro-ministro –, aprenderam com o erro e hoje construíram um muro intransponível em torno de Sharon. Arafat morreu e nenhum outro palestiniano parece actualmente ter força e carisma para liderar, suplantar os extremismos e sentar-se ao mesmo nível na mesa de negociações com Israel. A paz ainda não existe, os Acordos de Oslo pertencem à história, uma segunda Intifada fez mais de quatro mil mortos desde Setembro de 2000, porém, os israelitas abandonaram a Faixa de Gaza. Uma retirada unilateral decidida por Sharon pôs fim a 38 anos de ocupação. “Sharon avança pelos trilhos de Rabin, com o apoio da grande maioria dos israelitas. Se o comboio da paz foi travado, isso não é mais do que uma paragem temporária”, explica o optimista Eytan Haber, antigo chefe de gabinete de Rabin. Yossi Sarid, actual deputado da oposição de esquerda e antigo ministro do primeiro-ministro assassinado, integra a corrente pessimista. “Há uma diferença essencial entre Rabin, que conheci muito bem, e Sharon: podíamos confiar em Rabin, enquanto nunca sabemos aquilo que Sharon quer verdadeiramente e se o seu plano de retirada pretende chegar à paz ou a anexar uma grande parte da Cisjordânia”, diz Sarid. Para Carmi Gillon, chefe do Shin Beth na altura do assassínio de Rabin, estes dez anos marcaram uma involução no conflito israelo-palestiniano, provando que Amir “ganhou”. Numa entrevista ao diário israelita Yedioth Ahronoth, Gillon falou de “um grupo de centenas de milhares, nem todos assassinos, que acreditam que o assassínio de Yitzhak Rabin alcançou o seu objectivo, ao travar o Acordo de Oslo”. Segundo uma sondagem publicada recentemente, 18 por cento dos israelitas estão dispostos a “um dia” perdoar Amir e 39 por cento acreditam que ele acabará por beneficiar de um indulto. A família do homicida, condenado a prisão perpétua porque a pena de morte é reservada em Israel aos crimes de genocídio e contra a humanidade, tem desenvolvido nos últimos tempos uma campanha destinada a pressionar a justiça e o Governo israelitas a conceder um indulto a Yigal Amir. Para a família, tal como para o próprio, a justiça deveria ser mais branda, porque Amir limitou-se a “matar um criminoso”. Geula Amir, a mãe, numa entrevista ao canal 10 da televisãoisraelita, não só não mostrou remorsos pelo acto do filho, como instigou outros a imitá-lo. Para Geula Amir, é “necessário enforcar todos aqueles que estiveram envolvidos” na retirada da Faixa de Gaza. Para a extrema-direita israelita, Yigal foi apenas a mão que cumpriu o seu papel em 1995, tal como deveria haver agora alguém a fazer o mesmo com Sharon. Se há campo onde nada evoluiu é o do extremismo. Hoje, como há dez anos, tanto a sociedade israelita como a palestiniana vivem chantageadas pelas alas mais radicais das suas sociedades e o pragmatismo corre perigo de vida. Rabin sabia, quando estendeu a mão a Arafat em Setembro de1993, que o conflito no Médio Oriente provoca vítimas entre os pragmáticos. Anwar el-Sadat, o Presidente egípcio que cometeu o sacrilégio de assinar um tratado de paz com Israel no final dos anos 70, foi assassinado em 1981 pela sua ousadia. No entanto, o general Rabin, que liderara a luta israelita durante a primeira Intifada e dera a ordem para “quebrar os ossos” aos palestinianos, percebeu, a certa altura, que o conflito era uma guerra de soma negativa para ambas as partes. Por isso, aceitou assinar a paz com Arafat sob os auspícios de Bill Clinton, na altura Presidente dos Estados Unidos – a cerimónia oficial dos dez anos da morte de Rabin foi adiada para dia 14 para que Clinton possa estar presente. Dois anos depois, Rabin foi assassinado. Sharon ordenou a retirada israelita da Faixa de Gaza e vive rodeado de guarda-costas, sai o menos possível, não fala em lugares públicos e vive permanentemente ameaçado. Porém, é frágil a discussão em torno do assunto. Escreve Uzi Benziman no diário israelita Haaretz: “Devido a óbvios motivos políticos, o décimo aniversário do assassínio de Rabin não está a ser aproveitado para efectuar um debate sobre o significado do abominável acto. Esta fuga ao assunto é conveniente para o Likud e para o resto dos partidos da extrema-direita, por causa da parte que lhes coube no inflamar das emoções há dez anos”. Para Benziman, e outros analistas, a extrema-direita, com a sua retórica inflamatória – que se voltou a sentir antes, durante e depois da retirada israelita da Faixa de Gaza – atiça o ódio e cria o clima propício para que surjam “Yigal Amires” prontos a cumprir o seu destino messiânico em prol do sonho sionista – armas letais para qualquer sonho de paz. O problema é que sem essa discussão, sem que a extrema-direita responda pelo ódio que atiça, é cada vez mais difícil ver surgir políticos pragmáticos capazes de olhar para o futuro. No dia em que foi assassinado, o general Rabin, herói de guerra, líder duro que mandara “quebrar os ossos” dos palestinianos para fazer dobrar a Intifada, acabara de participar numa manifestação multitudinária a favor da paz. Na praça central de Telavive, que hoje ostenta o seu nome, Rabin foi capaz de entoar canções pacíficas com os milhares que enchiam o espaço disponível. “Este Governo, que tenho o privilégio de liderar com o meu amigo Shimon Peres [então ministro dos Negócios Estrangeiros], decidiu dar uma hipótese à paz. Uma paz que resolverá a maior parte dos problemas do Estado de Israel”, disse Rabin nessa noite de 4 deNovembro de 1995. “Fui um militar durante 27 anos. Fiz a guerra enquanto não houve hipótese de paz. Acredito agora que existe uma hipótese para a paz, uma grande hipótese, e temos de a aproveitar para os que estão aqui e para aqueles que não estão – e são muitos”, continuou Rabin. “Sempre acreditei que a maioria do povo quer a paz e está disposto a arriscar pela paz (…) que o povo quer realmente a paz e opõe-se à violência. A violência corrói as bases da democracia israelita”, acrescentou o então primeiro-ministro. Dez anos depois, a maioria da população israelita, dizem as sondagens, continua a desejar a paz e a opor-se à violência, mas Rabin está morto, os Acordos de Oslo também e o Shin Beth vai tendo muito trabalho para manter Sharon vivo.