24 dezembro 2005

Patrões

"O património das empresas japonesas são os homens. As empresas que não pretendem que os empregados tenham acesso às suas riquezas estão condenados a enfraquecer."
Masaharu Shibata, vice-presidente da principal organização patronal do Japão

22 dezembro 2005

Darwin 1, Fundamentalistas 0

A teoria do "desenho inteligente", novo rosto científico do criacionismo norte-americano, foi derrotada ontem por um tribunal de Harrisburg (estado da Pensilvânia nos Estados Unidos), depois de um julgamento que suscitara grande expectativa por ser o primeiro em que esse movimento académico se submetia a um ditame judicial. O juiz John Jones III sentenciou que o Conselho de Educação de Dover não pode, como pretendia, introduzir no programa das escolas o ensino do "desenho inteligente", teoria que afirma serem os seres vivos demasiado complexos para terem sido gerados pelos mecanismos evolutivos defendidos por Charles Darwin.
Na sua sentença de 139 páginas, o juiz refere: "Os objectivos laicos aduzidos pelo Conselho de Educação não mais do que uma desculpa para o seu verdadeiro objectivo que era o de promover a religião nas aulas da escola pública".
Esta resolução, tendo em atenção o peso da jurisprudência no ordenamento legal dos Estados Unidos, poderá fazer parar outras iniciativas estatais dos defensores de desenho inteligente, próximos da direita religiosa norte-americana e com muito peso na Administração do Presidente George W. Bush.
Traduzido e adaptado de uma notícia publicada no "El País" de hoje

17 dezembro 2005

Orhan Pamuk, um escritor turco IV

"Os romancistas que se dispõem a contar no futuro as vidas privadas das novas classes dirigentes esperam, sem qualquer dúvida, que o Ocidente critique as limitações que colocam os seus Estados à liberdade de expressão. No entanto, as mentiras sobre a guerra do Iraque e as informações sobre as prisões secretas da CIA danificaram de tal forma a credibilidade do Ocidente na Turquia e outros países, que às pessoas como eu resulta cada vez mais difícil defender a autêntica democracia ocidental na nossa região do mundo."

Orhan Pamuk, um escritor turco III

"O mais difícil é explicar porque é que um país que aspira oficialmente a entrar na União Europeia pode querer prender um autor cujos livros são muito conhecidos na Europa, e o que é que o leva a interpretar este drama (como poderia ter dito Conrad) 'perante os olhos do Ocidente'. Este paradoxo não pode ser interpretado simplesmente como ignorância, ciúmes ou intolerância, e não é o único. O que é que se pode dizer de um país que insiste em que os turcos, ao contrário dos seus vizinhos ocidentais, são um povo compassivo e incapaz de genocídio, ao mesmo tempo que os grupos políticos nacionalistas me crivam de ameaças de morte? Que lógica guia um Estado que se queixa de que os seus inimigos difundem pelo mundo informações falsas sobre o legado otomano enquanto persegue e prende um escritor a seguir ao outro, propagando a imagem do Terrível Turco?"

Orhan Pamuk, um escritor turco II

"Na minha opinião, o que mancha a 'honra' de um país não é falar dos momentos negros da sua história, mas a impossibilidade de falar de nada."

Orhan Pamuk, um escritor turco

O julgamento contra o escritor turco Orhan Pamuk por "ter denegrido publicamente a identidade turca", eufemismo para um delito de opinião que tem servido para perseguir, torturar e prender escritores na Turquia, começou hoje em Istambul. Deixamos aqui alguns extractos do artigo de opinião que o escritor publicou hoje no diário espanhol "El País".

"Resulta algo embaraçante que se dê uma importância tão grande ao meu julgamento. Estou muito consciente de que quase todos os amigos de Istambul aos quais pedi conselhos sofreram em algum momento interrogatórios muito mais duros, perderam muitos anos nos tribunais e na prisão apenas por um livro, por alguma coisa que escreveram. Dado que vivo num país que honra os seus paxás, santos e polícias por qualquer motivo, mas se nega a honrar os seus escritores até passarem anos em tribunais e prisões, não posso dizer que tenha ficado surpreendido por ter sido processado. Entendo porque é que os meus amigos sorriem e dizem que por fim sou 'um autêntico escritor turco'."

16 dezembro 2005

Triste diplomacia a nossa

Hoje, os iraquianos votam para escolher o novo Parlamento do país. É um dos dias mais importantes do Iraque pós-Saddam pois elegem-se deputados para os próximos quatro anos - até agora tudo tinha sido transitório, desta vez é para um mandato completo de quatro anos.
O embaixador português em Bagdad, Francisco Falcão Machado, aproveitou para comentar para a imprensa a forma como decorreu o sufrágio iraquiano. Nada mais natural, sendo ele uma testemunha privilegiada por estar destacado em Bagdad.
Só que o embaixador português não estava em Bagdad, onde hoje, mais do que nunca, deveria estar. Francisco Falcão Machado estava em Lisboa e foi em Lisboa que acompanhou os desenvolvimentos deste dia tão importante.
Que triste diplomacia a nossa, onde o Ministério dos Negócios Estrangeiros e um embaixador de Portugal não acham importante ter o nosso máximo representante diplomático no país para onde estão viradas todas as atenções do mundo no dia em que estes elegem, pela primeira vez, o seu Parlamento! Mas já não estranha, tendo em conta o nível do nosso patético corpo diplomático.

14 dezembro 2005

Investimentos portugueses

De 1995 a 2004, o Governo português investiu 860 milhões de euros na modernização da Linha do Norte de forma a diminuir o tempo da viagem entre Lisboa e Porto. E conseguiu: nove anos e 860 milhões depois a viagem demora menos cinco minutos. Em vez de três horas, duas horas e 55 minutos. Ou seja, cada minuto menos custou ao erário público 172 milhões de euros e cada segundo quase 2,9 milhões de euros. Não sei, a mim, parece-me um pouco excessivo, mas, posso ser só eu.

10 dezembro 2005

O mundo mudou

Percebemos que o mundo mudou quando a visita de um primeiro-ministro chinês não causa qualquer reboliço. Nem a favor, nem contra. Nada de nada. O líder do Governo de Pequim está em Portugal e a cidadania não se manifesta e a direita não se manifesta e os velhos maoístas não se manifestam e nem a propaganda chinesa se manifesta.
Hoje, na Assembleia da República, apenas os muitos polícias, o nervosismo das gentes do protocolo e a passadeira vermelha na escadaria davam conta do acontecimento. Até a guarda de honra da GNR estava discretamente colocada por trás das colunas de entrada do edifício.
Ao fundo das escadarias, sem vivalma além dos fardados da PSP, apenas três chineses do outro lado da rua, ao lado de uma pirâmide de reivindicações e mensagens da CGTP, herança de uma manifestação anterior, serviam de multidão entusiasmada para receber o representante do Império do Meio.
Três chineses com três bandeiras mal distribuídas – um com duas, outro sem nenhuma – mostravam tanto entusiasmo como um heterossexual perdido na casa de banho do Finalmente. Nem sequer quando passou a comitiva de Mercedes negros se dignaram a uma pequena agitação de bandeiras; onde estavam, murchas, caídas, disfarçadas, presas entre os sovacos, assim ficaram.
Mas, mesmos esses chineses sorumbáticos, que ninguém juraria, a não ser pelas bandeiras, estarem ali para ver passar a caravana, eram mais do que os membros das organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos, mais do que os representantes de partidos políticos que defendem a liberdade de expressão, a liberdade de associação, mais do que os cidadãos preocupados pela opacidade das autoridades chinesas no que diz respeito aos números verdadeiros de transmissão de gripes das aves aos humanos na China.
Ninguém. Nem uma agulha bulia, na quieta melancolia dos chineses do caminho. Nem sequer uns estudantes portugueses, lembrando outros estudantes mortos na praça Tianamen.
Ninguém se mostrou interessado em protestar contra a presença do chefe do Governo de um país com uma folha de serviços pouco limpa em termos de direitos humanos; com um desenvolvimento económico baseado na exploração dos trabalhadores que lhes permite vender por tuta e meia no mundo inteiro porque não pagam nem meia tuta para fazer; com um registo de atentados ambientais capaz de fazer corar de vergonha um suinicultor empedernido.
A China de hoje não desperta paixões. Nem sequer numa delegação do PCTP-MRPP, os maoístas de outrora, que poderiam ter aproveitado as câmaras de televisão para o tempo de antena que tanto reclamam para o seu candidato à Presidência da República (e candidato a tudo) e ninguém lhes dá. Poderiam ter reclamado as lutas conjuntas para, pelo menos, uma oportunidade fotográfica: o aperto de mão entre Wen Jiabao e Garcia Pereira. Ficaria bonito nos cartazes de campanha, embora haja dúvidas que pudesse conseguir alguns votos.
O mundo está a mudar, porque nem Portugal, nem a China querem saber de questões ideológicas ou de questões políticas, neste primado da economia. Já nem sequer o primado dos interesses, pois tudo se reduz a um único, singular e incontornável: o da economia. E, nesse aspecto, a China parte em vantagem, com os seus 1500 milhões de chineses dispostos (não se trata de uma escolha pessoal, porque isso não mudou, os chineses não decidem pessoalmente, alguém decide por eles, pelo colectivo) a vender e a comprar.